terça-feira, 6 de outubro de 2009

Quase todos os nomes

Nomes de batismo surgem nas mais variadas ocasiões e, na maioria das vezes, seu advento não se dá sequer vislumbrando a santa pia batismal. Após meticulosas aquisições feitas em bancas de jornal, em livrarias e, ocasionalmente, na internet, para dar um matiz tecnológico ao assunto, certos casais passam horas e horas a queimar as pestanas, revirando de cabo a rabo revistas especializadas, que trazem milhares de antropônimos, todos acompanhados de sua etimologia, quase sempre duvidosa, diga-se de passagem, esperando achar um nome que venha a calhar a tudo aquilo que esperam do filho. Diz o futuro pai, este nome vai ficar ótimo num engenheiro ou administrador, a mãe quer um nome que seja adequado a um médico, ou a um advogado de congênitas aspirações a juiz. É de estranhar que não se ocupem com frequência de pensar em nomes de mendigo. Talvez a literatura não se tenha especializado tanto assim nalguns aspectos.

Outros pares, ainda namorados, tentam entrar num acordo sobre qual será o nome mais adequado à consumação e materialização humana de seu amor, mesmo que ainda não haja nem o embrião no útero que há de ser materno. Mais difícil será esta decisão que a dos casais do parágrafo anterior. Isso por um simples e claro motivo: pode ser menino ou menina. Listam-se os nomes preferíveis para cada gênero, sejam completamente diferentes, ou aqueles que têm a facilidade de aceitar a flexão feminina por acréscimo da desinência, facilitando uma troca rápida. Sobre uma conjectura, estabelecem-se outras, e continuamos, com altas doses de romantismo, a empilhar tijolos sobre a areia, para usar uma metáfora tão comum quanto o hábito.

Existem alguns casos em que a preocupação onomástica não urge tanto a um como a outra, exemplos há diversos, todos dignos de, aplicados algum esforço criativo e boa dose de bom-humor, transformarem-se em piadas, como o jocoso relato de uma amiga, cujo pai, quando do registro de seus três filhos, incluindo ela própria, foi ao cartório da cidade, ignorando completamente o que combinara em casa com a mãe das crianças. Os irmãos, um menino e uma menina, receberam nomes, escusado o trocadilho, literalmente compostos pelo ânimo neologista do pai, afeito a emendar retalhos de palavras. Minha amiga, por sorte de si e falta de criatividade paterna, ganhou nome que já ocorria com frequência em nosso idioma. O acaso fez com que fosse exatamente o mesmo de uma ex-namorada do genitor, o que não deve ter agradado em nada à esposa.

Feita a escolha, anos antes, ou nove meses depois da fecundação, mete-se o nome na plaqueta ou na pulseirinha afivelada à criança, ainda na maternidade. Não demorará muito para iniciar-se o infante no convívio da família. Aí vêm os tios, avós, madrinha, padrinho e primos com seus funestos hipocorísticos. “Hipocorístico” nada tem que ver com hipocondríaco. Trata-se, tão somente, da alteração quer por redução, ou atenuação, quer por redobro, ou sufixação, do nome pelo uso, geralmente afetivo. Francisco torna-se Chico, Antônio, Toninho, Joana, Naná, Sebastião, Tião, Maria Luísa, Malu etc. Segundo Jacopo, em seu testamento, o pai, originalmente, não tinha o famoso nome por que foi eternizado. Sincopou-se “Durante”, gerando a imortal alcunha “Dante” cujo patronímico era “Alighieri”.

Diversos processos de derivação ocorrem, concorrem, sobrepõem-se, arruinando o trabalho minucioso despendido, mesmo por aqueles precavidos pais que escolheram o nome do filho, já prevendo as modificações mais prováveis. Não são os únicos casos de modificação os hipocorísticos. Muito menos os mais perigosos, claro está. Há também, só para mais um exemplo, os epítetos. Sua prática data de tempos imemoriáveis. Da Antiguidade resgatamos, a quem quiser consultar, os epítetos homéricos. Era Aquiles “o melhor dos Aqueus”, “o filho de Tétis”. As características louváveis, ressaltadas, assim como os defeitos, até mais frequentemente, também o são. A proliferação dos epítetos, apodos, alcunhas e apelidos, de preferência com sua boa dose de maldade inocente, é inevitável. Quanto a isso, sem sombra de dúvidas, fazem os pais o que podem, registrado está em certidão.

3 comentários:

  1. aaai, ficar pensando em nome dos filhos é a coisa mais gostoosa! maaaaas nome na pulseirinha ta fora de moda totaaaal hein, Manga! aehuiaeh
    adorei! beijos da Anfa.

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  2. Divertiu-me e, ao mesmo tempo, acrescentou-me sobremaneira este seu, se assim posso livremente classificar, sem me apoiar em qualquer ditame acadêmico, "Crônica-ensaio".
    Digo isto porque, de um momento corriqueiro na vida do gênero humano, essa (insolente, a meu ver) mania que o homem tem de dar nomes às coisas, brotou esse seu belo escrito, servindo para me explicar algo extremamente interessante, porém muito pouco desenvolvido no dia a dia: esse tal de hipocorístico; termo que ignorava até então. Fez-me lembrar, indiretamente, a liberdade que tomou outro grande vulto literário, um russo de nome Anton P. Tchekhov, ao utilizar a forma encurtada dos patronímicos masculinos (por exemplo, no conto “Nos Banhos”, de 1883, Tarássitch em lugar de Tarássovitch), indicando maior familiaridade, o que é frequente em sua obra. Porém, o sabor deste seu escrito “Quase todos os nomes” está em indicar, sutilmente, o quão ridícula pode ser a espécie humana, quando se trata de designar sua prole, com nomes os mais duvidosos.

    Um abraço!
    Felipe (o Nersão).

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  3. Manga, show de bola, como sempre. De fato existe todo um romantismo meio besta na escolha dos nomes. Lembro que minha família sempre escolheu nomes pensando no apelido que a pobre criança poderia vir a ter...rs.

    Um abraço

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