sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Efeitos pelas causas

Só sabem das pressões a que se submete a corajosa imprensa os que dela fazem ou já fizeram parte. Pode-se até imaginar que se ofendam pessoas aqui e ali, visto que, como costumam dizer, “a verdade dói”. Também se pode imaginar que os ofendidos venham a efetivamente demonstrar seu descontentamento, afinal, ninguém ignora que a liberdade de expressão é, ou deveria ser, um bem de todos. No entanto, nunca nos passou pela cabeça, há dois dias, chegarem tão diversas e numerosas manifestações pela publicação de um breve relato da hedionda prática que estão a aplicar, nos mais desavisados e bondosos, os criminosos integrantes de quadrilhas internacionais.

Talvez a impessoalidade da rede de computadores propicie o anonimato às vezes desejado aos que se deliciam em proliferar o medo e ver surtos de pânico se alastrarem por todos os lugares. Somados aos realmente maus, estão os maus em teoria, aqueles que não sequestram, assaltam, mas se fingem de tal, passando trotes e informações equivocadas que visam à desorientação e o terror, quiçá, por isso, tornando-se tão verdadeiramente maus quanto os primeiros. Chegaram-nos dúzias de correios-eletrônicos mal-educados, que possivelmente se tratavam apenas de brincadeiras de péssimo gosto; bem os conheceu a lixeira virtual. Haveria de se ter mais medo ainda, evidentemente, tivéssemos denunciado, em vez dos estelionatários nigerianos, os mafiosos sicilianos, habituados a enviar peixes embrulhados em jornais como aviso do pior.

Mas nada foi tão preocupante como a entrega, pelo sistema de correio tradicional, de um envelope forrado de retângulos negros, semelhantes às notas mencionadas na postagem anterior. Caso o carteiro desconfiasse da encomenda que trazia em sua bolsa azul e, quebrando o valiosíssimo código de ética que faz do sistema postal nacional uma das mais confiáveis instituições de que dispomos, violasse a correspondência e extraviasse seu conteúdo, o texto teria trilhado, aqui neste terceiro parágrafo, outros caminhos, todavia, não fez diferente do que se esperava de um honrado servidor público. Na carta, liam-se, em língua inglesa – ajudou-nos na trabalhosa tradução um amigo versado no idioma bretão –, acompanhadas por um número de telefone de chamada internacional, as instruções a se seguirem se quiséssemos remover a tintura e tirar proveito da faustosa quantia que se dizia ser o valor nominal no interior do sobrescrito. Um oficial da polícia foi requisitado e, de pronto, tranquilizou a todos, prometendo cuidar daquilo que certamente seriam provas para uma investigação. Nada mais se soube.

Outro episódio, narrado aqui não pelo fato de ser aterrador, mas sim por sua peculiar comicidade, foi o da esposa do vigário, que insistiu com certa veemência, não querer ser confundida com a mulher do padre, que Deus a conserve. Dizia-se vítima do próprio conto do vigário, não confundir com o substantivo composto conto-do-vigário, e queria tornar pública sua triste e delicada situação. A pobre mulher fora passada para trás durante anos pelo marido que jamais como religioso se fez a ela conhecer, dada a evidente condição de celibatário. Não podia crer, comentava indignada, na traição que se lhe impôs: não se deitava o esposo com outras mulheres, nem era praticante de jogos, sequer bebia grandes doses de vinho. A amante oculta era uma alegoria espiritual, a saber, a noiva do cristo.


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