quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Fé de mais

A experiência acumulada por todas as ancestrais gerações e transmitida consuetudinalmente a nós nos diz que não devemos meter o nariz aonde não somos chamados, sob a pena de, consoante outro conhecido dito popular pertencente ao mesmo bojo do conhecimento humano, darmos a cara a tapas. Em conversa com um amigo, concluímos também não ser adequado, todas as vezes, chegarmos o nariz a lugares a que somos insistentemente convidados. Não falávamos de narizes e lugares, propriamente ditos, mas vá lá, não custava dar um matiz um pouco mais trivial a um assunto já tão prosaico.

Há gente que possui um coração de ouro. E os contos-do-vigário são uma fenomenal demonstração de que essas pessoas de narinas bem-dispostas só não têm a cavidade torácica pilhada, porque os astutos estelionatários logo percebem que o elemento químico só está ali presente em sentido é figurado, para dar brilho à expressão. A atividade em questão é tão antiga e conhecida que, apesar de suas infindas variações, não vale a pena, ou o teclado, descrever a original. Essa prática criminosa está tão imbricada à nossa cultura que, até em nosso idioma, se suspeita que o termo “vigarista”, segundo alguns estudiosos da língua, tenha surgido num destes imbróglios.

O primeiro ensejo do que aqui se escreve era meramente o da manutenção do gênero da crônica. Todavia, num esforço de trazer à luz importantes fatos ocorridos nos últimos tempos, usar-se-á, momentaneamente, um discurso mais próximo daquele que comumente se rotula jornalístico, que nos servirá melhor ao que se necessita relatar. Escusado será dizer que não temos o fundamental predicado de um bom jornalista: a competência ajustada à profissão. A formação também não a obtivemos, contudo – conforme preconiza a legislação vigente – não mais há a obrigatoriedade de possuí-la os que prestam este serviço. Contaremos aqui, pois, do antigo conto-do-vigário uma versão atualizada, como se nos exige a modernidade. Os mais puristas e conservadores que substituam SMS por telegrama, avião por navio etc., para que se evitem os desagradáveis diacronismos.

O golpe foi apelidado de “fraude nigeriana”, ou “fraude 419”, segundo o código penal daquele país. Milhares e milhares de mensagens eletrônicas são enviadas diuturnamente, ao redor mundo, até encontrar a pessoa predestinada a não ignorá-las. O variante conteúdo geralmente diz que um nigeriano, aparentado de um finado general, de um príncipe ou, até mesmo, familiar direto do próprio monarca, não obstante o país ser uma república presidencialista, precisa de auxílio para resolver os entraves jurídicos que o impedem de desbloquear uma suntuosa herança. O generoso herdeiro não vê problemas em partilhar o dinheiro com todo aquele que o ajudar. Li que um desses maravilhosos humanistas prometia ajudar instituições de caridade e casas de repouso, negando-se, portanto, se necessário, à sua própria fatia do espólio.

À vítima são pedidas, a cada contato, maiores expensas, indubitavelmente ressarcidas num momento oportuno, espera-se. Quando o enganado começa a achar-se realmente num engodo, vem-lhe a prova da autenticidade da transação: uma passagem com destino ao continente africano. Se passar por todos esses testes de bona fide, e desembarcar no aeroporto de Abuja, o bom estrangeiro encontrará o dito herdeiro, na companhia de uma mala cheia de dinheiro. A riqueza prometida está à pouquíssima distância, sente-se até o odor etéreo da riqueza. Só lhe há um último empecilho, o derradeiro impedimento: as cédulas de papel moeda foram cobertas com uma tintura especial, negra, para que se possa tranquilamente cruzar as fronteiras sem despertar atenções indesejadas. Qualquer um, numa situação tão adversa, se desesperaria, mas nosso esperançoso amigo ainda tem uma saída. O herdeiro nigeriano lhe oferece uma substância capaz de remover a tinta preta, demonstrando seu poder de limpeza em algumas notas, retiradas aleatoriamente da mala. Claro, após pagar uma módica quantia cobrada pela bisnaga do tal removedor, mais um milionário deixa o continente, mais pobre do que chegou.


Um comentário:

  1. me impressiona a criatividade deles na hora de arrancar dinheiro dessas pessoas tao ingenuas hahahaha

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