quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Sexo forte

Não foi a baixa receptividade dos leitores que me obrigou a apelar para um assunto erótico, apesar de acreditar que o título contém palavras que, associadas, serão um chamariz efetivo àqueles que até então não haviam atentado para a coluna. Vamos ao caso. Numa noite dessas, tive uma experiência “ginecocrática”. O antepositivo “gineco-” é um elemento grego de composição que significa “da mulher”, “relativo à mulher”, “feminino”, em adição à modificação do pospositivo “-cracia” que carrega a ideia de “força, poder, autoridade” e, por extensão, “governo”, como, por exemplo, em “democracia”, “democrático”. O termo é estranho, um pouco raro, mas calha bem na descrição do que aconteceu.

Saía de um curso intensivo que estava ministrando, no centro da cidade. Caminhei a passos rápidos pelas ruas adjacentes à escola, que, àquelas horas, já se tornavam ermas, vazias. Objetivava o ponto de ônibus que fica numa avenida mais movimentada, o que já dá certa impressão, geralmente falsa, de segurança. Subi no veículo que ia em direção ao terminal do distrito onde moro para lá fazer uma conexão até a minha casa. Desembarquei no terminal, chequei os horários das linhas que atendem à minha vizinhança e constatei: não havia nenhuma nos minutos próximos. Decidi então pegar um ônibus que passa por dentro da universidade e seguir a pé o pequeno trecho restante.

No interior do coletivo, encontrei algumas garotas fantasiadas para uma tradicional festa promovida por uma das faculdades da Universidade Estadual de Campinas. Após alguma espera, em meio a plumas, paetês, mulheres musculosas, chapéus de pirata, colares psicodélicos, espartilhos e calções de futebol, o motorista deu a partida no motor e começamos o itinerário. Metros após a saída do terminal, primeira parada. Entrou mais uma centena de mulheres também fantasiadas, gralhando e corvejando numa euforia etílica, carregando garrafas de catuaba e outros misteriosos afrodisíacos alcoólicos. Na verdade, não havia uma centena de mulheres exatamente, isso só foi uma hipérbole, figura de linguagem que consiste no exagero para representar grande quantidade.

Começaram as gargalhadas eufóricas, batuques, gritos de guerra, vozes de comando, falatórios. O número reduzido de homens que seguiam no veículo, incluindo os dois que estavam ainda em expediente de trabalho, motorista e cobrador, estavam afônicos, entre maravilhados e assustados, com aquelas doses altíssimas de feromônio e estrogênio. Decidissem aquelas fêmeas enfurecidas sequestar o veículo e nos levar como reféns, para sermos escravizados em alguma aldeia matriarcal longínqua, não teríamos escolha. Com muita esperança, alguns de nós desenvolveríamos a síndrome de Estocolmo e ficaríamos felizes com a condição de submissão completa e absoluta. Outros, descontentes com os trabalhos forçados, fariam eclodir rebeliões que logo seriam pronta e impiedosamente massacradas.

Aterrado pela perspectiva de cativeiro, esgueirei-me por trás das hordas inimigas e, com um sinal discreto ao motorista, que condescendente compreendeu minha agoniada intenção de descer do ônibus, lancei-me à liberdade.

Um comentário:

  1. Não é minha intenção comentar seus textos por comentar, mas não pude me furtar nesse caso, mesmo não tendo nada a acrescentar. O que quero dizer é que este também é MUITO BOM!! Me divertiu bastante, dada a enganosa comicidade do ocorrido. Imaginei-me em similar situação, e não vou omitir que também senti algum desconforto. Acredito que tenhamos algum medo latente, especialmente nós, do sexo masculino, provocado pelos dilemas da “pós-modernidade” (ou por qualquer outro termo chato e geralmente incompreensível, cunhado por algum contemporâneo). Sem querer abordar questões já muito discutidas no último século e sem querer expressar qualquer juízo de valor, esse Medo que possivelmente temos pode ser provocado pelo receio de uma iminente insurreição e mudança brusca de papéis, tendo como um dos resultados o já indicado título do seu texto.

    A verdade é que ninguém é inocente.

    Abraço!
    Felipe (Nersão)

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