sábado, 26 de setembro de 2009

Sobre meninas e lobas

As feministas que me perdoem, mas metáfora é fundamental. As futebolísticas, então, sempre estiveram à mão dos homens brasileiros que somos. A prática não é coisa nova, afinal, Vinicius de Moraes já cantava A Regra Três.

Lembro que o grupo de amigos começamos por dizer que uma mulher era “zagueira”, quando não abria espaços para galanteios, outra era “armadora”, porque sempre articulava encontros para suas amigas. Uma das flexões verbais do período anterior tende a parecer estranha: trata-se de uma figura de linguagem chamada silepse, que consiste na concordância ideológica, neste caso entre o sujeito “o grupo de amigos” e o verbo “começamos”. O efeito pretendido é a leitura de que eu também participava desse grupo; encontramos a mesma figura no segundo período do primeiro parágrafo deste texto. Havia as “atacantes”, “goleadoras”, “artilheiras”, aquelas que sempre desequilibravam a partida e iam para cima do “adversário”. Não me lembro, entretanto, vez alguma – perdoem-me pelo esquecimento, se de fato o houve, os que compartilharam dessas acirradas discussões nos intervalos entre aulas e outros horários inusitados – de rotularmos uma mulher “gandula”. O próprio termo é de origem engraçada. Reza a lenda do esporte bretão que, nos anos trinta do século passado, um solícito argentino, cujo sobrenome era Gandulla, viera jogar num time brasileiro. Sem espaço na equipe titular, ele se ocupava de restituir ao jogo as bolas que se extraviavam do campo. Batizada estava a profissão daquele que em Portugal é conhecido como “apanha-bolas”.

Categorias, citávamos todas, das de base à profissional, divisões e campeonatos. Num encontro de bar, apareceram-me com a escalação de uma seleção inteira, titulares, banco e comissão técnica, bendito ócio! Na mesma noite, um amigo surgiu com uma teoria invulgar, não sei se lida algures, ouvida alhures. Nunca soubemos peremptoriamente quem fora o autor, mas transcrevo-a: “as mulheres de dezoito anos sempre terão dezoito anos”. Sorrimos e rimos todos, um pouco pela careta de entusiasmo que fazia o enunciador, talvez outro pouco pela cerveja. Algum tempo passado, um a um foi descobrindo e atribuindo seu próprio significado àquela máxima. Dizem que alguém conheceu uma mulher que, perto da meia-idade, ainda estava em seus dezoito anos...

Nunca fui muito afeito a trabalhos hercúleos. Por isso, nem nas quarenta linhas que este texto tem que somar no programa de computador que o edita, nem nas outras tantas páginas que eu venha a escrever vida afora, me proporia a definir, classificar, analisar ou dissecar, o objeto preferido em que se debruça quase toda a produção da cultura e do intelecto ocidental – de que, claro esteja, sei pouco. Também não incluo, na afirmação, o que se produz no oriente, por ignorância minha. Dizer que conseguiria a execução de tal síntese seria dizer-me capaz de confeccionar uma maquete do Éden, em escala um para um milhão. Tanto desconheço da topologia e da orografia do jardim quanto dos meandros da essência feminina. Deixo o preito aos poetas, fico com as anedotas.

Um comentário:

  1. Parabéns pelo texto. A essência feminina tanto nos fascina como nos amedronta: por isso que amo conhecer as mulheres. E concordo no final do texto: também ficarei com as anedotas, porque meu aprendizado com a poesia ainda precisa subir muitos níveis...

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